.::MOSCA NO QUEIJO::.

Mosca no Queijo


Autora:
@dance_monkey | Beta: @dance_monkey

Coloquei um pouco de vinho no copo e me apoiei na bancada da cozinha. Estar sozinha na própria casa era muito estranho, especialmente depois que minha avó falecera. Meus pais gostavam de viajar e eu não era ninguem para impedí-los - tinham mesmo que se divertir, afinal, eu já era grandinha o suficiente para ficar sozinha.
Mas já era o terceiro de doze dias sozinha, sábado a noite e eu já estava me sentindo solitária. Eu até tinha pensado em adotar um cachorro mas meu pai enchia o saco, "o apartamento é pequeno, ninguém poderá ficar com o bichinho quando viajarmos". Eu compreendia bem o argumento dele mas, sendo eu como sou, não entendia. Queria ter um gato mas minha mãe era alérgica e passarinhos nunca sobreviviam muito - o último casal, o "macho" matou a fêmea e só depois que morreu, descobrimos que todos os seus assassinatos anteriores eram porque era uma fêmea e não um macho. Fui ludibriada mas agora, que tenha muito alpiste no céu dos passarinhos.
Girei o copo, olhando para o sofá. Eu poderia me jogar ali e ficar vendo televisão, jogar videogame ou até mesmo ler um livro mas continuaria me sentindo sozinha. E eu não sou das mais fãs de balada. Tenho minhas próprias e impopulares opiniões sobre mas resumindo, sou uma pessoa de casa.
Eu poderia chamar uma amiga para fofocar mas a mais próxima estava em lua de mel e as outras estavam na balada. Ninguém era fã de ficar em casa, vendo filme ou jogando Uno. A não ser uma pessoa.

Peguei o telefone e resolvi ligar, mensagem às vezes soava impessoal. E ele estava sempre tão ocupado que poderia só ver a mensagem dali a dois dias.
Quando ouvi sua voz, sorri. Ele nunca estava livre, porque vivia viajando e, quando estava na cidade, estava trabalhando, varando noites em claro. Da última vez que nos encontramos para bater papo, ele mal sentou no sofá e, falando sobre sua afilhada, pegou no sono. Senti tanto dó que o deitei no meu sofá (eu não aguentava ele todo nas costas) e o cobri com um cobertor de bichinhos.
- Hey, ! - sorri de novo, mudando o peso para a outra perna. Ele sempre parecia feliz ao me atender, Jooheonie. - O que conta?
- Nada de muito interessante, e você? Está na cidade?
- Estou. Terminando uma mixagem e depois vou pra casa. Que horas são? - ele fez silêncio. - Estou nesse estúdio há mais de sete horas, é isso mesmo? Aff!
- Pensei em te convidar pra vir tomar uma cerveja e assistir um filme, porque faz tempo que a gente não se vê, mas podemos marcar outro dia. - apressei em dizer. Eu tenho esse costume de enrolar, especialmente quando gosto do cara. Bem, não é que eu goooste "goste" de Jooheon. Ele é um cara muito legal e divertido. Algumas vezes morro de vontade de matá-lo mas ele é uma pessoa que, como diria minha amiga Bekah, "eu não chutaria para fora da minha cama". Eu tinha uma queda muito grande por ele mas sabia manter em segredo. Gostava muito dele e apreciava demais sua amizade pra perdê-la por uma simples ficada. E eu sou muito emocional, poderia me apegar e depois, caso não desse certo, poderia ficar bem mal.
Jooheon ficou em silêncio por dois dos minutos mais longos da minha vida. Até escutei a cadeira rangindo. Eu achava que ele havia desligado e até chamei seu nome, ao que ele respondeu:
- Chego em dez minutos.

E definitivamente ele chegou em dez minutos cravados, trazendo uma pizza gigante e um engradado de cerveja. Nos cumprimentamos, ele perguntou dos meus pais e ficou com uma expressão estranha quando falei da viagem, mas nada que pudesse assustá-lo. Jooheon já tinha me visto até abraçada na privada, vomitando e chorando por ex namorado; apenas trovões, raios e ser pego desprevinido o assustava.
- Eu não entendo esses filmes! - apontei pra televisão, com os pés em cima do sofá e uma garrafinha de cerveja em mãos. Jooheon estava do meu lado, quase do mesmo jeito. - Por que só Nova Iorque é atacada? Não existe só Estados Unidos no planeta!
- É como você assistir um tokusatsu. - franzi a testa. - Aprendi o nome quando estava no Japão. Tóquio é sempre destruída quando brotam Megazords e Ultramen gigantes.
- É, e o que falar da cidade de Townsville? - me estiquei e tirei a garrafa vazia de sua mão, entregando outra para ele. - Ela está sempre sendo atacada.
- Mas o Japão tem uma vantagem boa. - disse, se espreguiçando. - As coisas funcionam lá. Lembra daquela notícia do terromoto? Em menos de uma semana estava tudo reconstruído.
- Deixa eu reclamar de filmes americanos, por favor? - ri, batendo em seu braço. Jooheon se encostou no sofá e virou a cabeça pra mim. Desliguei a televisão e observei a hora. Passava das onze. - Trabalha amanhã?
- Deveria. Mas ando bem cansado, essa vida de produção não é fácil. A parte boa é que ainda não tirei minha folga da semana, então acho que farei isso amanhã. - devo ter feito um som pouco convincente, porque ele voltou a sorrir. - Já está me expulsando da sua casa?
- Nunca, queridinho! - ri, esticando as pernas para cima de seu colo. - Ia comentar que, caso queira, pode dormir aqui. Ando me sentindo bem sozinha desde que meus pais viajaram. E parece que o prédio inteiro sabe disso, porque o carinha do 301 já me perguntou umas vinte vezes se eu queria que ele ficasse aqui no final de semana.
Jooheon ergueu a sobrancelha. - Espero que tenha dito que não. Não vou com a cara dele. - dei de ombros e tomei um gole da minha bebida, sob seu olhar atento. Sabia que parecia uma idiota pedindo pra que ele ficasse porque estava solitária mas já estava "alta" o bastante para deixar a língua solta. E ele sabia. - Eu fico. Afinal, você é minha amiga e está sozinha e eu fico preocupado com você. Devia ter me ligado antes. - ele jogou minhas pernas no chão e se ergueu para pegar o último pedaço de pizza, repartindo-a no meio e me entregando a outra metade.
- Não queria te encher com as minhas coisas. Você é um cara ocupado e já tem muita coisa em mente.
- Mas nunca estou ocupado para meus amigos. Especialmente aquelas cujos pais viajaram e se sentem sozinhas. - mastigou, me observando. Dei de ombros novamente antes de limpar os dedos em um guardanapo. A vantagem de se ter Jooheon como amigo é que ele é o primeiro a reclamar do uso de garfo e faca para comer pizza, como eu. - Venha cá, sua maluca.

Jooheon puxou meu braço e me deitou em seu colo. Protestei, afinal, era ele quem deveria ganhar um colo. Trabalhava até muito tarde e sempre acordava muito cedo e vivia cansado. Me levantei e inverti a posição sob protestos e risadas. Mas, quando ouvi o som de alívio que ele sempre fazia quando deitava - eu chama de "Som Alegre", mexi em seus cabelos, tentando mudar o penteado para o outro lado.
Jooheon fechou os olhos e eu continuei tomando o que restava da minha cerveja, até colocar a garrafa no chão e ver o final do filme. Ele continuou de olhos fechados e eu até achava que ele havia dormido, então recostei a cabeça no sofá. Queria tanto ter aquela oportunidade, estar sozinha com ele, com Jooheon no meu colo, em uma intimidade maior, que me sentia quase em pânico. Eu não sei o que ele fazia para que eu sentisse aquela queda, então vivia morrendo de medo que ele percebesse e dissesse "não". Acho que não saberia lidar muito bem com um "não" vindo dele.
- Aquele cara parou de te encher? Teu ex-namorado? - abri os olhos e olhei para o canto do teto. Fiz um som positivo com a garganta, ainda sem largar seus cabelos. - Que bom. Sempre achei que ele era um babaca. Nunca mereceu uma garota como você. - fiz um som de escárnio e fechei meus próprios olhos, implorando aos céus que ele não estivesse fazendo o que estava fazendo. - A gente não se vê muito e eu fico muito chateado por isso. Mas nunca fui com a cara daquele cara, especialmente depois do que ele fez.
- Eu já tinha até esquecido mas obrigada por me lembrar. Agora estou com raiva. - soltei seus cabelos, mas não antes apertá-los com raiva, e apoiar o rosto o encosto do sofá. Jooheon deu uma risada, sua risada de "consegui" que eu tanto tinha raiva quando era dirigida a mim.
- Relaxa, , estamos apenas conversando. O importante é que vocês não estão juntos e agora você pode encontrar uma pessoa que te mereça.
- Já aceitei meu destino como freira, Jooheonie. - olhei para a janela. Nada contra as freiras, mas era a realidade da minha vida.
- Ou talvez a tal pessoa especial esteja bem debaixo do teu nariz e você ainda não viu.
- Devo andar com um espelho agora? - perguntei, sarcástica.
- Não, sua anta. - ele gargalhou de novo. - Talvez, mas só se olhasse pra baixo, veria melhor. - fiquei calada, ainda olhando furiosa para a janela. Jooheon falava demais e a raiva do meu ex namorado havia voltado com força. - O que está debaixo do seu nariz?
- Minha boca.
- Além da sua boca.
- Você, o sofá, o piso e mais quatro andares, daí vem o asfalto e então o...
- ah! - ele se levantou do meu colo e virou meu rosto ainda franzido. - Tem eu. Bem debaixo do teu nariz.
- No momento, você está de frente pra mim. - Jooheon gargalhou mais uma vez antes de apertar minha bochecha.
- Garota, você precisa de outra garrafa de cerveja. Mas já está tarde pra te explicar algumas coisas. Eu vou lá dentro buscar um cobertor. - dei de ombros e ele se levantou, arrumando a camisa bagunçada. Ainda me olhando, enfurecida. - E só pra constar: eu estava falando de mim.
E saiu andando despreocupado até o meu quarto, trazendo de volta meu cobertor de bichinhos. O mesmo que Olivia e a mãe haviam me mandado por Jooheon, quando ele fora visitá-las, no inicio do ano.

Ele se sentou do meu lado e me puxou para perto de si, beijando o topo da minha cabeça e me abraçando logo depois. Pegou o controle das minhas mãos e ligou a televisão, em um canal de desenhos.
- Desculpa ter tocado no assunto ex namorado, mas é que essa é a primeira vez que nos vemos desde então.
- Tudo bem. Eu apenas não superei a raiva.
- Posso ajudar de alguma forma? - dei de ombros. Jooheon sorriu e me apertou em seu abraço, me enchendo de cócegas logo em seguida.
Meu ponto fraco.
Depois de me contorcer e já sem forças pra rir, Jooheon segurou meus pulsos e percebi que estava no chão, com metade do cobertor enrolado nas pernas e Jooheon, sentado em suas próprias pernas, ofegante. Suspirei, querendo secar as lágrimas dos olhos mas Jooheon desceu o rosto e me beijou rápido o bastante para que eu não computasse a informação no cérebro.
- Agora seja boazinha e vá no oftalmologista pra ver o grau desse par de olhos.


FIM


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