A batida na porta do vestiário fez com que eu abrisse a toalha mais uma vez e tivesse uma visão completa do meu corpo em biquíni. Eu ainda não tinha me acostumado com aquela idéia de ser modelo, era tudo culpa da minha ex-sogra; ela via minhas fotos online e sempre me dizia que eu era ‘bonitinha demais para que o mundo não me visse’. Então, sem eu saber, me inscreveu em uma agência, me fez ir, eles gostaram de mim e bang, dois meses depois havia sido convidada para modelar.
Não sou do tipo mais bonita, tem gente muito melhor. E com certeza, gente que fica melhor de biquíni. E a culpa nem era do negócio, porque ele era de um amarelo bonito e cobria bem meus seios e ainda tinha uma canga; o negócio era meu peito, que não é lá grandes coisas (se é que você me entende), minha barriga, que não é das mais retas e minhas pernas.
- , se você não sair desse banheiro, eu vou arrancar você daí a força, entendeu? – a mulher da maquiagem bateu na minha porta novamente e eu respirei fundo. Me olhei de novo no espelho e tirei meus óculos, tendo uma bela visão distorcida de onde estava. Eu poderia simplesmente enfiar o dedo no olho e colocar as lentes de contato mas era medrosa demais pra isso. E também me deixava mais a vontade não saber a cara que as pessoas faziam pra mim. Era a única estrangeira ali e com certeza iria ser medida dos pés a cabeça.
Apavorada em não dar de cara na parede, abri a porta, ainda enrolada na toalha e segui a figura borrada que era Mo, a moça da maquiagem, até muito legal, coitada.
- Ela já está vindo. – gritou. Ouvi muitas vozes e cliques e vi alguns iluminadores altos, mas que cegavam ainda mais quando se olhava para eles. Eram grandes e quentes e a luz que saía deles era de um branco tão forte que me tirou o pouco de visão e estourou diante de mim.
Senti quando puxaram meu pulso e, alguns segundos depois, o maior de todos os iluminadores caiu no chão. Ainda bem que não espatifou mas ouvi alguém xingando muito. Mo já estava distante, a julgar pela sua figura e eu ainda estava tentando me recuperar do susto quando a mão que me puxou começou a falar. Eu via apenas um borrão magro na minha frente. Devia ter colocado a lente ou mantido os óculos.
- Você. – disse em inglês, finalmente. – Você está bem?
Apertei os olhos mais uma vez mas ainda estava muito embaçado. – Sim.
- Não pode andar por aí esbarrando nas coisas. Essas coisas são quentes e se quebram, sai do seu bolso.
- Desculpa, eu me atrapalhei um pouco.
- Um pouco? – a imagem riu. Corei. – Bom, tudo bem. A julgar pelo esbarrão, você não deve estar vendo muita coisa.
Pega. No pulo!
- Eu também não consigo ver muito quando essas coisas estão ligadas, quero dizer, pra quê tanta luz?
- Não é? – me forcei a rir.
- Você deve ser a modelo estrangeira. Sou seu colega de fotos. – ele esticou um pedaço de madeira ou algo assim. Fiquei olhando para aquilo até ele puxar minha mão e apertá-la.
Era o braço dele.
- Sou Hyungwon. Você não deve estar vendo nada mesmo!
- É que... – abaixei minha voz. – se eu te contar, você não conta? – vi sua cabeça balançando. – É que tenho problema de visão e não estou com as lentes porque tenho pavor em colocar o dedo dentro do olho. E essa é minha primeira sessão de fotos, não quero estragar tudo. Agradeceria se você pudesse me ajudar.
Ele riu mas apertou minha mão em seu braço e saiu andando comigo até uma tela verde
enorme. Uma figura borrada na minha frente fez com que eu a tateasse e percebesse que era apenas uma moto gigante, parada. Hyungwon me sentou em um banco e me pediu para esperar as ordens; ele iria traduzir para mim. Que amor! Nem todos eram assim. Ou talvez fosse dele. Mesmo que eu não visse um palmo na minha frente, eu tinha um sentimento bom referente a ele.
Acabei sorrindo quando ligaram um ventilador gigante na minha cara e ouvi cinco cliques seguintes de câmera. Levantei o rosto, sem entender.
- Ele estava explicando, mas disse que você estava bem natural e parou de falar. – disse Hyungwon. Pisquei os olhos. Sua figura estava sentada do meu lado e ele aproximou bem o rosto de mim, e finalmente consegui distinguir seus olhos e nariz mas nada muito além. Seus cabelos eram castanhos e estavam jogados para um lado e ele sorria.
Fiquei vermelha; era esse o cara que estava sendo legal comigo?
Obviamente já estava apaixonada. Era sempre assim quando via um cara no mínimo bonitinho. Já nos via fazendo altas viagens a trabalho e passando as férias nas ilhas caribenhas. Teríamos quatro filhos e todos seriam versões minis dele e seriam todos inteligentes o bastante para não herdar meu problema de visão.
- O que está fazendo? – perguntei assustada, quando ele se aproximou ainda mais. Agora tinha visão completa de seu rosto e estava realmente encabulada. Clique-clique-clique!
- Você não ouviu nada do que falei, não é? Ele quer que a gente finja que vai se beijar.
Pisquei sem graça e ele escorregou no banco, aproximando-se de mim e tocando minha mão. Fiquei vermelha de novo.
- Você vira pro outro lado, vou te ajudar a encontrar o ângulo certo. – disse, segurando meu rosto com ambas as mãos e virando bem devagar para um lado. – O diretor é meio grosseiro e não quero que se assuste. Mas te sugiro depois colocar os óculos e treinar mais essa coisa de ângulos. – clique-clique-clique; sinceramente, será que esse fotógrafo não tinha noção de tempo?
Hyungwon se aproximou de mim ainda mais e pediu para que olhasse para seus lábios. Obedeci, compreendendo que não deveria seguir mais as ordens dele; agora estava com vontade de concretizar minha vontade anterior e começar nossa estória de amor e partir para o Caribe nos próximos segundos. Será que seis filhos seria demais? Clique-clique-clique. – PELO AMOR DE DEUS!
- Certo, pessoal, já tenho o que queria. – gritou o fotógrafo, em um péssimo inglês. Engoli em seco ao levantar e, tremendo, saí correndo em direção ao que achava ser o caminho do vestiário. Eu só queria colocar uma roupa, meus óculos e fugir dali.
Abri a porta do vestiário com bonequinha de saia e encostei na porta, tateando em cima da pia meus óculos perdidos. O mundo estava em foco novamente!
Troquei de roupa com uma rapidez surreal e abri a porta para cair fora para meu apartamento quando topei com uma parede.
- Hey, calma, assim você vai acabar se machucando! – olhei para cima e associei a voz à Hyungwon mas a figura... era muito diferente. Ele era... ele era lindo! Estava certa em ter pensamentos longínquos de nós dois nas praias caribenhas e andando na neve como o clipe da Jennifer Lopez.
Hyungwon sorriu pra mim; ele também estava usando óculos.
- Não é que você fica bem melhor com eles? – tentei manter a compostura e pigarreei.
- Bom, agora você já viu como posso ser um monstro. Preciso ir.
- Ei, espera! – ele segurou meu pulso de novo. Eu não tinha mais coragem de olhar pra ele, quero dizer... estive com um cara por uns cinco minutos?, tinha criado todo um cenário perfeito na minha cabeça, pra perceber que ele era vinte vezes mais bonito do que eu tinha visto. – Agora que você está vendo de novo e eu também, preciso te confessar algo: eu também estava sem lentes. Odeio enfiar o dedo no olho, me dá agonia.
Sorri, sem graça. – Bom saber que não sou a única. – eu precisava sair dali o mais rápido possível. Me sentia culpada pelos pensamentos até mesmo pecaminosos que tive enquanto estive cega.
- Você me parece uma pessoa legal. Pelo menos foi a única modelo que não chiou nos quarenta minutos que tivemos para essas fotos. – Quarenta minutos? Franzi a testa para protestar mas ele já tinha recomeçado a falar. – Eu não sou muito de fazer isso, mas gostaria de ir tomar um café? Me contaram que você é do Brasil e eu nunca estive lá mas queria saber mais sobre.
- Tá... ok. – dei de ombros, andando em direção à porta de saída dos fundos. Apontei para o rosto. – Posso ir assim?
- Deve! – ele riu, abrindo a porta, e eu passei. – É seu melhor figurino.