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Respingos no Espelho


Autora:
@dance_monkey | Beta: @dance_monkey

A pior parte de ser uma pessoa adulta e com responsabilidades é aquela que te aperta os jeans todo final de mês. Eu já sentia ela chegando: chata, incômoda. E eu sem um puto no bolso porque, é claro, eu tinha contas a pagar e era muito determinada com datas. Tinha inclusive um quadro do lado da geladeira, com a data de vencimento de cada uma delas, em canetas coloridas e post its em vermelho, amarelo e verde para “gravidade”.
Mas zapear os canais não estava me ajudando. Parecia que todos os canais resolveram passar programas culinários no auge da minha TPM. Cogitei eu mesma preparar alguma coisa mas já havia devorado a casa inteira e eu não estava afim de fazer comida de dieta. Eu precisava de gordura hidrogenada, muito açúcar e muito doce pra entupir minhas artérias e eu acordar no dia seguinte me sentindo um lixo por ter, mais uma vez, me descontrolando.
Desci até a confeitaria da esquina. Estava desesperada por uma tortinha de morango e ali tinha daquelas cujos morangos são tão grandes que você pergunta se eles fazem exercícios e a calda é sempre bem docinha.
Assim que cheguei, a vi: linda, reluzente, maravilhosa, com seus outros pedaços irmãos, loucos para vir para meu estômago. Passei a língua pelos lábios, mas então... elas começaram a sumir! Qual é, o que era aquilo, “dia nacional da tortinha de morangos”?
Tinha apenas um cara na minha frente. Ele que não ousasse pegar o meu pedaço. Será que era de conhecimento masculino que mulher na TPM querendo comida vira um bicho?

Mas então aconteceu: a moça puxou a torta para fora e colocou o último pedaço em um prato colorido e entregou para ele. Senti todos os meus sonhos indo por água abaixo. Eu precisava agir.
- Com licença, com licença. – tirei o cara da minha frente e sorri para a atendente. – Vo-você tem outra torta dessa, não é?
- Infelizmente não. Essa foi a última do estoque. Agora, só amanhã!
- O QUE? – comecei a suar. Não, não poderia ser! Eu precisava de uma torta de morangos e tinha que ser “aquela” torta de morangos.
Virei para o homem que eu havia empurrado, na intenção de pedir a ele que fosse bacana com uma pobre mulher de TPM, quando vi quem era: meu vizinho. Yoo Kihyun.

Nós tínhamos uma dívida de dois anos, desde o dia que ele resolveu fazer faxina de madrugada, fazendo barulho suficiente para que eu perdesse a segunda chamada e fosse reprovada. Ele nem ao menos se desculpou quando o confrontei e então, instaurou-se o pandemônio no andar.
Ele me fitou com desafio nos olhos e fincou o garfo na massa e a casquinha se desfez. Engoli em seco e ele levou o pedaço aos lábios. Ele não estava fazendo isso!
- Você vai me dar esse pedaço. – apontei pro prato, minha voz tremendo. – Você vai me entregar essa torta e ninguém vai se machucar.
- Por que eu deveria fazer isso? – ele riu, ainda mastigando o primeiro pedaço. Meu primeiro pedaço.
- Porque você me deve uma desde o incidente do queijo fedido.
- Ei, foi um presente! Não tenho culpa se você não tem bom paladar, porque eu tenho! E agora, se me der licença, - ele colocou o prato debaixo do meu nariz, meu Deus, como cheirava bem! Aqueles morangos estavam do jeito que eu gostava! – eu vou degustar minha torta de morangos tranquilamente.

Eu precisava bolar outra tática. Talvez se fosse pelo lado sentimental, ele pudesse se sentir culpado por ser um cretino e me daria seu pedaço de torta e todo mundo sairia feliz.

Mas era Yoo Kihyun. Ele não tem sentimentos. Ele só é uma criatura insuportável, um viciado em limpeza e em pegar pedaços de torta de moças com TPM. A pior parte é que o meu desejo tinha ficado ainda mais forte e eu não aceitaria nada além daquele pedaço.
- Po-po-por que vocês não dividem? – perguntou a balconista. Kihyun nem olhou para ela ao pronunciar “nop” e partir outro pedaço da torta. A mulher ergueu as duas mãos e nos deu as costas, abrindo um pacote de torta de chocolate, que estava até bonita.
- Achei que você fosse mais cavalheiro!
- Eu sou! – protestou, com a boca cheia de creme. O meu creme! – Você que não sabe pedir! Se fosse educada, teria me pedido educadamente.
- Você é pedante, Kihyun!
- Posso até ser, mas sou eu que estou comendo essa torta, não é? – ele tirou um morango do topo e mordeu, antes de apontá-lo pra mim. – Peça desculpas por tudo que fez e eu te dou um pedaço.
- Eu não vou fazer isso.
- Então tchau. – ele se virou para a porta e senti minha última esperança saindo junto. Eu tinha mesmo que passar por cima das minhas convicções, meus objetivos de vida e quem era para agradar Kihyun e conseguir um pedaço de torta!? Estava tão desesperada assim? Era só um pedaço de torta, pelo amor de Deus!

- DESCULPA POR TER INVADIDO SEU APARTAMENTO E TER DESENHADO COM PASTA DE DENTE NO ESPELHO DO BANHEIRO! – berrei. Kihyun se virou e me olhou. – Desculpa se joguei toda a terra dos seus vasinhos de plantas em cima do seu sofá branco e se destruí as molas da sua cama por pular em cima dela. E desculpa por colocar meu cachorro pra fazer cocô na pia da sua cozinha.
- Eca! Você fez isso mesmo? – a balconista me olhou com nojo.
- Ei, volta pro seu trabalho, Martina, o assunto aqui é sério. – ergui a mão. – Então: será que agora você pode me dar um pedaço dessa torta? – choraminguei, sentindo as lágrimas de ódio chegando aos meus olhos. – Eu estou de TPM e eu preciso dessa torta! – Kihyun me olhou. – Ou o filho é teu e vai vir com cara de morangos!
Kihyun respirou fundo de novo; acho que estava avaliando se eu estava sendo sincera, porque apontou com o prato para uma mesa e eu me sentei, me sentindo já sem forças. Eu só queria aquele pedaço de torta, pelo amor!
Então... o milagre!: ele cortou um pedaço e me entregou o garfo. Sentir aquela massa levinha, aquele creme bem batido, a cobertura bem docinha e o morango pela metade na minha boca equivalia a quase um...
- Não sabia que gostava tanto assim. – riu, quando abaixei a cabeça e bati na mesa, apreciando cada minuto daquele momento sagrado. Era tão gostoso que eu não sentia nem vontade de engolir.
Kihyun partiu um pedaço para si e me cutucou. – Ei, já deu o drama, não é? – ele olhou para Martina e assentiu com a cabeça. Esticou a mão, sem soltar o prato (o que achava que eu iria fazer, seu psicopata!?) e me entregou outro garfo. – Toma. Você me convenceu. Vou dividir com você. Mas só porque você parece desesperada.

Um pedaço de torta sendo comido por duas pessoas ao mesmo tempo tende a acabar rápido. O tempo que isso aconteceu, ficamos em silêncio, apenas olhando para o prato. Não é como se eu tivesse o que dizer, só sentir. E ele respeitou isso. Até o momento de ficar apenas um único morango grande no centro do prato.
Kihyun me olhou e empurrou o prato pra mim. – Todo seu.
- Você pagou por ele, é justo que seja seu.
- Dividir? – ambos olhamos para Martina, no balcão, nos observando. – Vocês parecem meu filho, quando era pequenininho e eu fazia essa torta para os eventos da escola. Ele vivia brigando com uma coleguinha. Dois bobos.
- E o que aconteceu? – perguntei. Martina deu de ombros.
- São casados há vinte anos e tem uma filha. – olhei para Kihyun de soslaio e ele me empurrou o prato novamente.
- Eu tenho sido escroto com você. Também te devo desculpas se não tenho sido um bom vizinho. Ficar com o morango nesse momento é o mínimo que posso fazer por você.
Mordi os lábios, tocada. Era tão incomum Kihyun ser uma boa pessoa, era tão estranho quanto ter uma lhama andando na rua. Sorri, antes de abocanhar o morango. Estava maravilhoso.
Me levantei e parei do lado de Kihyun. Sorri de novo antes de me abaixar e dar um beijo em sua bochecha, saindo pela porta da confeitaria aliviada.
Finalmente havia conseguido a minha torta de morangos!

FIM


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