Toco

Capítulo 1

Resolvi tomar um banho antes de começar qualquer coisa, pra pelo menos terminar de chegar em casa. Minha mãe sempre dizia que lavar o cabelo de madrugada ou de noite deixava a pessoa doente, mas lavei mesmo assim; precisava estar com uma aparência melhor do que a de quando havia denunciado minha identidade não mais secreta pela estória do toco. Meu tweet de denúncia havia sido compartilhado mais de treze mil vezes, curtido mais de dez mil e minhas notificações haviam quadruplicado. Bem, o que eu esperava, não é? Me expus. Abri a jaula da carnificina. O tribunal da internet iria me julgar e parecia que já tinham o veredicto: culpada.
Mas eu não me sentia culpada. Afinal, a vida é minha e eu fico com quem eu quero e quando quero.
Quem me lê falando isso deve achar que eu sou uma beldade tipo YoonA Lim ou sei lá... diz uma mulher bonita aí. Há grandes possibilidades de eu não chegar nem na sujeira perdida do dedo mindinho do dedão dela.
Para começar, meu cabelo é revoltado. Todo dia de manhã, antes de levantar, faço uma oração pra ver se ele colabora mas acho que não anda dando muito certo, bem, pelo menos nos últimos vinte e nove anos da minha vida.
Sim, eu tenho vinte e nove anos; acho que isso já explica tudo, não é?

Coloquei uma calça de moletom e liguei o notebook. Abri o Instagram mas passei um tempo pensando se era mesmo uma boa ideia. Quero dizer... Eu não iria só me expor, iria expor também uma figura pública. O que havia acontecido entre nós, na última semana, era pra ser segredo, se não fosse por aquele linguarudo do . Mas não condeno o bichinho; ele só tem a língua mais solta do que a noção mesmo. Não era só em vídeos, ele era assim normalmente.
Essa é a coisa de você conhecer artista pessoalmente. Algumas coisas você descobre que são verdade, outras que são mentira e outras que ninguém nunca imaginou, tipo personalidades e manias. Eu poderia escrever um livro sobre as vezes que conheci um artista e ele ou ela era bem diferente do que se via na internet.
- Isso tomou proporções enormes. Estou abrindo o Instagram e vou falar. Desculpa a todos. Aceito processo. Beijo da Pudim.
Acho que nesse momento é uma boa comentar que meu apelido tinha virado "pudim". Mais pra frente, eu vou explicar a estória do café mas como não vou entrar em detalhes: eles adoraram o jeito que eu falo "pudim". Riram muito, fizeram piadas e de repente, até uma das managers parou de me chamar pelo nome; eu era a "pudim".
Pudim, pudinzinho...

Os numeros de espectadores aumentava exponencialmente e os comentários... ah, os comentários! Cadê essa piranha, cadê essa vadia, o que você fez é crime (!), você quer dar uma entrevista?
Era melhor começar a pegar o touro pelos chifres.
Respirei fundo.

- Olá, todo mundo. - comecei em inglês. Achei que se falasse em um idioma que todo mundo compreendesse, talvez fosse melhor. Mas aí lembrei que, quando fico nervosa, acabo ficando com sotaque e aí poderia começar um bullying generalizado.
A cagada já tinha começado.
- Espero que você esteja fazendo essa live pra se matar... - li. - Acho que vocês devem ter lido meu tweet e por isso, vieram aqui. É engraçado que realmente achei que vocês iriam achar que era mentira mas não é - ri. - Eu nem deveria ter começado essa live mas me senti incomodada e na necessidade de explicar o que aconteceu. Talvez eu leia uns comentários no meio da estória mas quero que saibam que já desativei meu twitter e já fechei as dms do Instagram.
"E eu quero começar essa estória pedindo desculpas ao , ao , a equipe, principalmente; à minha amiga e a todos os envolvidos direta ou indiretamente por essa estória."

30 mil pessoas.
Tarde demais pra voltar atrás.

- Eu vou começar essa estória explicando como fui parar nas .
"Vocês devem lembrar daquele sorteio muito louco de fanbases em Dezembro, não é? Eu inscrevi a minha e nós ganhamos, como todo mundo sabe; a única fanbase brasileira, representando a América do Sul em um evento de fandom, o primeiro evento desse tipo já criado. E todos os bla bla blas."

"Você é admin da fanbase que ganhou?"
"vou pedir pra todo mundo denunciar sua fanbase!"
"Diz pra mim que você vai se matar no fim dessa live!"
"Cachorra"
"Como você se diz fã se faz isso com o ?"
"Pula logo pro toco".

- Olha, eu posso pular pra parte do toco mas se vocês querem saber como foi e por quê eu dei o toco no , vocês vão precisar ser educadas. Eu não vou falar e acabar com a curiosidade de vocês se não houver o mínimo de respeito.

"Sabe que não vai conseguir respeito, né?"
"Você sacaneia um fandom inteiro e quer falar de respeito?" "Vsf!"


Fiquei quieta por alguns minutos, torcendo pra ter um mínimo de respeito mas obviamente, eu estava ficando doida. Pedir pra que um fandom se acalme é a mesma coisa que pedir para um terremoto cessar.
Meu telefone começou a piscar; vi o nome da Daiane no visor. Eu sabia que ela iria comecar a gritsr comigo, me mandaria desligar a live e o escambal mas a merda estava feita. Eu nem sabia por que estava enrolando tanto!
Tinha uma mensagem do também. Mas abstrai.
- Ok, vocês querem saber? Então senta que lá vem estória.

.x.

POV On

Eu não vou falar de todos os detalhes. Não vou dizer que achei que estivesse fazendo uma viagem pro inferno, de tão longe que é; não vou dizer que dormi o primeiro dia inteiro porque estava com muita dor no bumbum de tanto ficar sentada naquele avião. Muito menos que eu sofri no dia seguinte ao excesso de sono, porque não achava nada que se assemelhasse a comida de verdade. Sobrevivi a base de muito fast food com as outras meninas. Elas eram bacanas mas duas delas me olhavam com cara de nojo sempre que nos encontrávamos. Duas sebosas mas não vou dar nomes nem países.
Nós não havíamos apenas ganhado um concurso e uma viagem com tudo pago para : nós iríamos fazer uma série de reviews da rotina deles sob o ponto de vista do fandom. Essas duas semanas já se encerraram, então...

O primeiro contato...
Acho que o primeiro contato de fato, que tive com um deles, foi no corredor da empresa. As meninas e eu estávamos na sala de reuniões, discutindo a parte de cada uma no review, quando o excesso de água me fez querer ir no banheiro. Quando cheguei na porta, estava fechada, o que significava que tinha alguém lá dentro. Peguei o telefone para mandar uma mensagem pra casa e pra Daiane quando a porta se abriu e saiu de lá, todo pernas e franja.
- Ah, oi. - pisquei. Ele era alto. Mas não um alto tipo altinha de praia: alto, tipo um prédio. - Você não pretende ir no banheiro, né?
- Err eu... Sim, pretendo.
- Sabe o que é? Acho que talvez não seja uma boa ideia de vir nesse banheiro aqui.
Pisquei de novo. ergueu as duas sobrancelhas e eu só percebi porque a fisionomia dele mudou para aquela que eu sempre postava que era engraçadinha.
Será que ele sempre fazia essa cara quando...?
- Ah.. Ah! Ok. - pisquei de novo. - Então err... tem algum outro banheiro nesse andar?
- Tem, no corredor ao lado. - sorri em agradecimento. - Quer que te leve lá?
- Estou de boas.
Eu só iria perceber bem depois, que iria se tornar uma das pessoas mais incríveis que eu já havia conhecido. Ele era divertido demais, falava bobagens pra caramba e sempre fazia alguma coisa pra me divertir.
Era até engraçado pensar que shippava e que falasse abertamente na minha cara que não tinha nada a ver isso de idade e distância. Não me espantou em nada que tinha sido a dar com a língua nos dentes. No fundo, ele era um romântico incorrigível.

POV OFF

- Meu primeiro contato com os meninos foi no dia que a empresa nos reuniu pra falar do programa. Seria uma série de reviews em vídeo, contando o ponto de vista de líderes de fanbases sobre o dia a dia deles até o grande show de quinta. Nós poderíamos perguntar o que quiséssemos, claro, obedecendo algumas regras, e eles também poderiam nos gravar para um vlog.
"Nesse dia, eu estava com um jetlag ferrado. Meus olhos estavam doendo muito e eu precisava tomar café; senti que precisaria de doses cavalares de cafeína pra aguentar o idioma deles ser traduzido pra inglês e meu cérebro ter a boa vontade de compreender em português.
Eu não lembro, exatamente, quando foi que eles entraram mas lembro de ter pensado naquela frase de Chaves, 'nada de exaltações'; estava sonolenta e quando estou assim, acho que podem me bater com uma viga de ferro que eu continuaria sem entender nada.
Eu não lembro deles dizendo oi, se estavam sorrindo, se estavam com cara de poucos amigos, se tinha alguma coisa diferente. Eu só lembro desesperadamente de querer deitar e dormir.
Todos eram lindos, são lindos. Parece que a internet não faz jus ao que realmente são. Eu sentia que todo o clima da reunião tinha mudado e que falar qualquer coisa que fosse séria seria impossível.

POV On

Isso de não lembrar de muita coisa é verdade. Só fui perceber que tinha um dos meninos do do meu lado quando me cutucou com um copo de café gelado. Uma das managers que estava falando sobre responsabilidades cravou os olhos em mim. - Ela ainda não se adaptou ao horário. - a fanbase da França comentou, rolando os olhos.
- Sabe quantas horas de fuso são? - era a fanbase da Inglaterra. - Ela está se esforçando muito.
- Toma. - me cutucou e me entregou o copo. - Vai ajudar um pouco.
- Obriga- da? - arregalei os olhos e ele sorriu, cantarolando "Olá de novo".
Sorri.

POV Off

"como foi sua primeira conversa com o ?"
"você só fala do , você deu toco no também?"

- Não, gente, eu só falei do porque ele é uma das melhores pessoinhas desse mundo. - terminei de fazer uma trança no cabelo mas aí lembrei que poderia deixar cheiro então desfiz. - Minha primeira conversa com o foi engraçada...

"que nem encontrar o cagando? XD"
"por favor, nota 0 de 10 pra essa fanfic!"

- Ué, gente, vocês acham que o bias de você não caga? - rolei os olhos. - Lembram daquela entrevista que eles falam de hábitos incomuns? Eu sugiro que vocês aumentem o volume do áudio do pra depois que o fala sobre o roncar demais.

POV On

Eu não vou dizer que tinha notado que ele me olhava de um jeito estranho. era meu bias wrecker e isso nunca foi segredo pra ninguém: eu sempre me sentia muito a vontade em traduzir todas as bobagens, todos os posts e de repostar foto de fansite. E estar perto dele era como flutuar, o que parecia ser uma constante naquele primeiro dia. fazia questão de ficar ao meu lado nas fotos aleatórias da equipe e tentava sempre puxar papo quando me via tentando resolver algum problema pelo telefone (sabe como é, quando você viaja, parece que as pessoas do seu trabalho não sabem fazer mais nada e te incomodam todos os momentos do dia), me dizia coisas como "Desliga o telefone", etc etc e isso tudo era muito louco.
Poderia dizer que era uma fã vendo coisas, porque é o que todo mundo vai dizer, "ain, ela viu demais, nada a ver, piriri pororó", mas tem certas coisas que, de tanto você ver acontecendo com outras pessoas, você internaliza.
) olhava pra mim da mesma forma que o personagem do Joseph Gordon-Levitt olhava pra Larissa Oleynik em "Dez Coisas que Odeio em Você" e isso pode ser um pouco preocupante, especialmente se você não é muito popular com rapazes.
Desde o início, me senti um pouco incomodada, porque evitava falar ao máximo. Era muita mulher dando ataque fangirl e fazendo mil perguntas pro review, uma quase atropelando a outra, e eu preferia deixar as minhas por último. Por mais que eu seja fã e surtada online, sempre fui do tipo "vamos deixar a coleguinha surtar e pagar o mico dela primeiro e depois pagar o mico sozinha". nunca respondia minhas perguntas; ele preferia colocar a mão no queixo e ficar me observando com o dito olhar.
- Você só observa? - disse ele mais tarde naquele dia mesmo, depois do almoço. Ele tinha um copo de café nas mãos e um sorriso divertido nos lábios. Os lábios mais beijáveis do mundo.
- É. - corei, ainda respondendo a mensagem do whatsapp. Era incrível como o simples ato de tirar quinze dias de férias adiantadas fazia com que meu setor em peso esquecesse o que devia fazer e me bombardeasse de mensagens, independente do horário. - Trabalho.
- Não te deixam por um minuto, não é? Super te entendo.- com a cabeça, apontou para , que respondia as perguntas da fanbase da França, sentados no chão da sala de ensaios. - No início, aquele ali acordava no meio da noite só pra perguntar se ele estava coordenado com os outros. A gente mal dorme e ele ainda vinha com perguntas aleatórias.
- Vai ver ele só precisava de um alento. - voltei a atenção para o aparelho. Na verdade, eu estava me escondendo de com mensagens da empresa. é bonito, alto, sorriso forte, olhos intensos, todas essas coisas. Ele seria o homem perfeito dos meus sonhos se não tivesse uma fanbase tão doida. As fãs dele eram uma das mais barra pesada.
Também seria o homem dos meus sonhos se não tivéssemos nos conhecido nas circunstâncias atuais.
- Você está bem mesmo? - perguntou, se sentando ao meu lado. Sorri daquele jeito psicopata, quase colocando os cantos da boca nos olhos e fiz "uhum", agora preferindo abrir a câmera frontal do telefone e verificar se meu cabelo estava bom. Era o que eu fazia quando ficava nervosa e tê-lo a tão poucos centímetros de mim era ainda muita loucura. As meninas conseguiam colocar esse surto pra fora, já eu... - Por que ficou séria de novo?
- Jetlag. - menti, ainda olhando para meu cabelo na câmera. Ele estava um horror, todo ressecado e cheio de frizz. Nas fotos oficiais, eu iria parecer que tinha colocado o dedo na tomada de alguma iluminação de palco. Esperava que usassem photoshop.
Enquanto pensava em como meu cabelo teria ficado melhor se eu tivesse feito um rabo de cavalo (provavelmente muito pior), colocou o rosto grudado no meu e fez uma careta, erguendo o queixo e fazendo um bico exagerado, apertando o botão da foto duas vezes.
- Pronto. - ele tirou o aparelho das minhas mãos e sorriu, focando a foto no meu rosto. - Agora você tem uma foto aleatória pra guardar de recordação e mostrar pra todo mundo.