SEM NOME

FANFIC AINDA SEM NOME


Autora:
@dance_monkey | Beta: @dance_monkey
PRÓLOGO

"Eu não quero saber, se vira! Isso já passou dos limites!" - a voz dele ecoava na minha mente como nunca havia. Ele tinha todos os motivos para gritar comigo, mas antes fosse por destruir um boneco de sua coleção muito bem catalogada dos Power Rangers. Eu não tinha mais idade para aturar seus berros e manias.
- Você tem ideia do que está me pedindo? - argumentei, encostando o celular no ombro e terminando de colocar comida para meu cachorro. - Eu não faço isso há anos!
-Bom, dê teu jeito. Eu quero respostas e sei que você é boa o bastante para me trazer o que quero! - sua voz ficou ainda mais rouca. Vamos dizer que você terá um pagamento muito bom se disser que sim.
- Depende. - me levantei, enquanto o bichinho corria louco como era para comer. Botei a mão na lombar, estava ficando velha. Ou apenas estava fora de forma. A academia estava lá, a cobrança batia todo mês no meu cartão de crédito e eu não ia porque sempre que dava o pique, acontecia alguma coisa. Hoje, a culpa foi dele em me ligar. -Falemos de dinheiro.
- Eu não vou entrar em detalhes por telefone, . - ele suspirou. Eu sabia que precisava ser breve, ele estava ficando sem paciência. - Basta dizer se aceita ou não. Quero que seja direta e pare de me enrolar, porque caso não concorde, preciso procurar outra pessoa. - fiquei calada, analisando. Bom, para ele ter me procurado em primeiro lugar, é porque confiava em mim. Ele poderia ser tudo, menos mentiroso.
Analisei minhas opções. Custo com passagem, moradia, alimentação, tudo. Minha gaveta continuava trancada e eu tinha a ligeira sensação de que sairia uma tarantula de dentro dela.
Peguei a chave de dentro de uma bolsinha da Hello Kitty, dentro da cristaleira e enfiei na fechadura; ela fez um clique audível o bastante para que o outro lado da linha ficasse mudo. Dentro dela, fotos, um livro de capa de couro azul, meu passaporte. A carteira de motorista oficial e um estojinho com todas as identidades falsas.
Ah, merda...
- Ok, você venceu.

E agora estou aqui, dirigindo a oitenta quilômetros por hora, puta nas calças de fome e vontade de mijar, seguindo esse caralho de Maps pra achar o prédio que será minha casa pelos próximos dias. Ou semanas. Ou meses. Ou quanto tempo isso durar.
Eu tenho vinte e sete anos, porra! Não tenho mais coluna de dezenove pra sair pulando de um carro em movimento para uma moto antes que o carro exploda!

Regras de uma I.P.
Regra #1: Caso o trabalho seja importante para você, a nível pessoal, nunca concorde de cara. Enrolar é sempre bom, especialmente porque vão achar que você está desocupada. Bom, você até pode estar desocupada mas ninguém precisa ficar sabendo disso.

CAPÍTULO 1

Para darmos um início a essa conversa toda, acho que seria de bom tom me apresentar. Meu nome é e eu tenho 27 anos. Moro no Brasil e até onde sei, estava muito bem. Tinha voltado a morar com meus pais, é... não é algo que eu possa me orgulhar, porque sempre imaginei chegar aos 27 com a minha casa e minhas coisas. Já tinha terminado a faculdade, meio que aos trancos e barrancos por causa de um emprego que logo entro em detalhes, e não estava na área. Na verdade, não sei nem como fui parar onde eu estava, não com o meu histórico, cuidando de um site de fofocas muito ridículo que basicamente me mandava achar podres, transformar em coisas mais podres e sair jogando por aí. Eu tinha nojo de mim quase todos os dias mas era meu trabalho e trabalho estava e está em falta. Não tem essa de ficar escolhendo muito não, a gente agarra a primeira coisa que vir.
Sobre o emprego, a confissão: eu era policial. Do tipo que fica infiltrada, usa identidades falsas, perucas loiras compridas, óculos escuros e jaquetas do exército. É divertido no início, é. Tenho algumas estórias muito alucinantes, como ter de cheirar açucar de confeiteiro, dar um tiro no próprio pé (literalmente) (em minha defesa, a arma atirou sozinha, eu não tive nada a ver com isso) e, dentre meus casos mais "famosos", resgatar um famoso ídolo do k-pop de um sequestro. As coisas não acabaram muito bem, não. A mandante morreu atropelada por um caminhão desgovernado, tive bolhas alucinantes nos pés por semanas por excesso de salto alto e até hoje me sinto estranha. Foi uma época estranha, o inicio dos meus 20 anos.
Se faria de novo?
Não. Definitivamente não. Não, nunquinha, never, nops.

Aquela ligação tinha surtido em mim um efeito alucinógeno.
Depois de largar tudo para me formar decentemente e voltar para casa, decidi ter uma vida mais tranquila. Você sabe, ter plantas, um cachorro, procurar o amor (não tinha dado muito certo após o caso do k-idol e terminei meu relacionamento pouco depois), assistir o programa da Xuxa. Eu sentia saudades, é claro, do Green, do Zhou Mi, até mesmo daquela maluca da Jessica e de seu perfume enjoativo, mas eu não iria voltar. Eu queria mudar o meu jeito de ser. Queria ser mais tranquila, deixar de ser tão bruta e ríspida, aprender a usar um vestido elegante usando saltos sem cair ou me desequilibrar. E isso tudo parecia ter sido não só seis anos antes mas uma vida inteira antes.

Estacionei na frente do prédio de aparência chique e observei. A janela do andar quatro estava acesa e eu repassei várias vezes tudo o que havia me acontecido naquela manhã. Folheei a pasta com paciência, folha por folha. Tinha um nome coreano, que não tinha nada a ver comigo: Park Won Hee. 24 anos. A carismática vocalista que tinha senso absurdo de aegyo.
- Você só deve estar de brincadeira com a minha cara! - gritei, jogando a pasta na mesa, naquela mesma manhã. - Olha bem pra mim, eu não sei nem cantar a música dos dedinhos, como é que vou ser cantora?
Ele suspirou, espalmando a mão para uma moça sentada logo ao meu lado. Estávamos os três em um desses caraoquês super caros, escondidos, que artistas normalmente se encontram para namorar. Ele fora esperto e deixou tudo como um encontro com advogado..
- Essa é a Sang Jin noona. Ela vai ser sua voz.
- Você quer que eu seja um caso Milli Vanilli? - perguntei, já sentindo cabelos brancos surgindo na minha cabeça. O caso Milli Vanilli havia sido muito grande nos anos 90, só perdendo pra versão Britney Spears do caso. - Eu não posso dublar a voz de alguém assim, é arriscado!
- É nossa única alternativa! Acha que a Sang Jin aqui está contente? Tá não!
- Na verdade há um possivel projeto de eu ser solo mas é só fofoca que ouvi, nem sei se é verdade. - ela sorriu, puxando a máscara e sorrindo docilmente. - Olha, se ele diz que você é a melhor, acredito que seja a melhor. E precisamos muito de você, acho que concordamos todos que já deu o que tinha que dar, essa estória.
A "estória" se chamava Shin Ho Seok. O vocalista saradaço e bonitão do Monsta X, que foi envolvido numa maracutaia das grandes, saiu do grupo e, desde então, não deu as caras. Era um conhecido meu, que trabalhava nessa empresa, que tinha me ligado. Queriam ajuda pra achar um x9. Alguém estava vazando informações confidenciais do caso para a imprensa e eu tinha que me meter e descobrir quem era, porque sou "boa com as palavras".
- Isso tudo é muito fodido. - dei mais uma volta na sala pequena. Era quase hora do almoço e eu ainda tinha que fazer outras coisas.
- Pegar ou largar. Se bem que agora é pegar ou pegar, porque já te contamos até mais do que deveria.
Olhei para Sang Jin, meu humor péssimo. É o que acontece quando você enfrenta horas de viagem, comida estranha, uma desculpa muito sem noção para seus familiares, amigos e trabalho e simplesmente pega o primeiro vôo do aeroporto internacional mais próximo. Meu coreano estava um verdadeiro horror e eu estava torcendo muito pra que eu tivesse aulas de reciclagem ou que simplesmente me deixassem falar inglês. Pelo menos sei que português eu iria usar muito, especialmente para xingar tudo de mais ruim que eu visse.
- Tá, ok, que mais eu preciso? - ele me entregou a pasta novamente, toda arrumadinha com clipes. De pé e puta nas calças, folheei a primeira página, com todas as informações sobre Ho Seok, desde o primeiro ultrasom até a última vez que fora visto. Era uma senhora pasta.

Mas nada me prepararia para o que iria vir. Quer dizer, eu sabia o que seria, não era burra, mas eu ainda tinha esperanças de que o mico não fosse ser seletivo e cair na minha cabeça novamente.
Infelizmente, o sonho era muito alto.

.x.

O barulho do elevador apitou que eu havia chegado no andar e só Deus para saber do arrependimento que me bateu quando cheguei no 411. Ajeitei meu colete desfiado e contei até dez antes de levantar a mão para tocar a campainha.
Só não segui porque a porta automaticamente se abriu e uma menina muito, muito, mas muito magra apareceu, me observando com os olhos mais brilhantes do mundo.
- OI! - ela berrou. - Você deve ser a Park Won Hee, eu sou a Juno, sua companheira de grupo!
Sorri sem graça. - É... oi, eu...
- Vem, entra aí, entra aí, GENTE, ELA CHEGOU!
E, surgidas de corredores e portas como formiguinhas, brotaram mais três meninas, igualmente magras, de olhos arregalados e sorrisos enormes. Elas pegaram minha mala, me puxaram pela mão e me sentaram em um puff que por pouco não fez minha bunda bater no chão.
- Eu sou a Hara! - a mais animada disse, me sentando no puff. - Essa é a Izzy. E tem a Nani. NANIIIIIIIIII!!
- Você fala coreano legal? Posso ser sua professora?
- Tá muito frio onde você mora?
- É verdade que no Brasil vocês comem coisas que não são empanadas?
- Você pode me ensinar a sambar? Porque eu sempre quis aprender e...
- Deixem a menina respirar! - uma outra menina, vindo do banheiro. O barulho da descarga ainda estava alta e ela veio bem tranquila, me analisando de cima, enquanto meu osso da bacia estava trancado naquele puff nada fofo. Ela cruzou os braços e me observou, se aproximando muito calmamente, de sobrancelha levantada.
Não vou mentir, não gostei nada. Detesto que me analisem como se fossem a última pipoca doce do cinema.
- Você deve ser a Won Hee.
- Ah, sim. - abaixei a cabeça. Bom, se tinha algo que eu sabia bem era entrar na personagem. Me espanta que nunca tenha passado pela minha cabeça investir nessa coisa de atuação, eu era muito boa mesmo. - Oi, sou Park Won Hee, estou feliz em conhecê-la.
Ela deu um sorriso de soslaio. Continuei não gostando. Na minha cabeça, já tinha dado vários tapas naquela carinha de sonsa monga.
- Meu nome é Rainie. Eu sou chinesa.
- Ah, sim. - sorri. E daí que você é chinesa, minha filha, eu sou brasileira!? - Não me falaram muito sobre minhas companheiras de apartamento, então vou ter que conhecer todas! - Juno deu um berro, soltando meu cabelo e perguntando se ele era natural. Izzy, Bitzy, sei lá, a de cabelo curtinho, pegou minha mão para analisar minhas unhas e Hara começou a berrar sobre qual seria meu quarto. Rainie continuou de pé me observando, séria, como se conhecesse meus segredos.
Se o propósito era me fazer ficar desconfortável, ela não iria conseguir. Eu poderia ser a idiota da aldeia naquele papel mas era esperta demais em observar os outros.
E essa menina tinha acionado o meu desconfiômetro.

.X.X.X

Capítulo 2

Depois de me mostrarem o apartamento super apertado e lotado até o teto, tive uma ligeira memória de Jessica me contando como era com ela. A verdade é que eu achava tudo um porre enquanto ela ficava em sua mesa, cheia de canetas e lápis com pontas de frufru rosa e amarelo, lixando aquelas garras enormes.
- E era tipo, gente a beça num apartamentico, a gente quase não tinha privacidade, quero dizer, a gente não tinha, né! Mas tipo, a gente teve que aprender a se dar bem na marra, especialmente porque uma pegava a roupa da outra, teve várias vezes que uma pegou calcinha e sutiã alheio, foi muito loucura...
Lembro muito bem de abaixar a cabeça e torcer pra que alguém me desse um tiro a queima roupa; aquele papo doía muito mais do que um tiro no pé. Então, quando Mimi chegava com um café, eu ficava tão feliz que minha vontade era agarrá-lo e dar uns beijos. Coisa que aconteceu sim, depois de alguns cafés com whisky roubados.
Meu Deus... seis anos! Como a vida muda nesse período!
Eu não tinha mais notícias deles. Ah, claro, o que saía nos jornais, eu sabia o que acontecia das fofocas porque lá no fundo era parte do furdúncio todo. E achava uma graça que meu contratante tivesse acreditado 100% que ninguém lembraria da minha cara. Ok que eu havia engordado e tinha alguns pés de galinha e usava óculos mas será que seria tão invisível assim?
- Então, Won Hee... - Rainie apareceu no quarto e cruzou os braços para mim, que tentava ainda me encontrar naquela bagunça. Nem parecia que eu mesma era do estilo bagunceira anos antes. - Won Hee não é seu nome. Obviamente quiseram te dar um nome coreano e cá pra nós, é péssimo, não combina em nada com você.
- Eu sei, parece que jogaram naqueles geradores de nomes da internet! - tentei sorrir. Ela não sorriu. Virei o rosto, escondendo a vergonha dentro da mala, pegando uma blusa. Essa não era eu, o que estava acontecendo?
- Por que a gente não joga limpo aqui? - perguntou. Bom, se ela quisesse, eu poderia dizer que não estava gostando da grosseria dela. Em outros tempos, eu já teria me engalfinhado com ela no chão. - Meu nome coreano é um horror e eu estou tentando convencer a deixar com meu apelido chinês, que é o equivalente a Rainie. E você? Qual é sua graça?
- Meu nome? - ela fez que sim. - Ah... ah.. é.. é que... caham. Ahn... - ela me olhou torto. .
- Ótimo. Teu nome agora pra todo mundo é , acostuma.
Tirando esse embate nada doce com essa garota que já tinha me pegado pra Judas, fiquei extremamente agradecida quando elas me chamaram pra comer com elas. Iam no refeitório da empresa e de lá, iriam ter a primeira aula de dança com um cara que, segundo Hara, era um deus. Ela era engraçadinha; ela que devia ter o posto de vocalista fofinha voltada pro aegyo, porque eu não sabia nem raios como fazer a bagaça.

Juno abriu a porta de uma sala razoavelmente pequena alguns minutos depois. Havia uma bancada enorme com alguns tipos de comida, e eu, sem nenhuma cerimonia, coloquei duas colheres cheias de tudo no meu prato de pedreiro, logo contrastando com o pedaço microscópico de aipo do prato de minhas colegas de quarto. Elas me olhavam com choque e Rainie só tentava não rir.
- Vocês só vão comer isso?
- Estamos de dieta. - respondeu Izzy.
- Talvez fosse você também entrar em uma, sabe, você não é bem do tipo que esperam que as trainees sejam. - olhei pra baixo, onde minha barriga fazia uma dobra por cima da camiseta. Bom, de fato, eu não era nenhuma beldade, mas entre emagrecer muito e comer frango, eu preferia o frango. Meus dias de exercício haviam ficado para trás, junto com as polícias dos distritos de Ulsan e Seul.
Eu abri a boca para responder quando ouvi barulhos vindo do lado de fora da porta. As meninas começaram a trocar risadinhas feito colegias, até mesmo Rainie, que agora parecia um pimentão. Continuei comendo meu frango, super feliz, quando entrou um grupo de rapazes pela porta.
Todas se levantaram e cumprimentaram os recém chegados, abaixando as cabeças e dizendo 'oi'. Izzy me cutucou e eu olhei do frango para eles, repetindo o gesto das coleguinhas com a boca cheia de gordura. Na mesma hora, meu "nemesis" cravou os olhos em mim e tentou não rir.
- O que você está... - comecei mas ele arregalou os olhos para mim. Calei a boca.
Eles seguiram para a bancada e nós nos sentamos. Elas estavam mais vermelhas que um tomate e a minha fome tinha acabado de sumir. Larguei o frango no prato, incomodada com o silêncio repentino e com o prato de um mini aipo para cada. Irritada, levantei, peguei um prato, passei na frente do primeiro (sob o olhar chocado da minha mesa e deles) e coloquei dois pedaços de frango por pessoa. Parei na frente do meu nemesis lambendo os dedos, desafiadora, e voltei pra minha mesa. Coloquei o prato no meio e sentei.
- Vocês vão morrer de inanição se não comerem.
- Mas nós precisamos fazer dieta! - Hara.
- E você então, nem se fala... - Rainie.
- Eu não vou ser conivente com essa dieta absurda que vocês estão fazendo, se vocês emagrecerem mais, vão sumir! - ninguém me respondeu. Olhei para trás, vendo o grupo de seis meninos me olhando chocados, com pratos nas mãos. Eles bem que tentaram não olhar mas eu fui mais rápida. - Vocês sairiam com meninas esquálidas? Eu respondo por vocês. - voltei para a mesa. - Não. Não. Não e não. Então ou vocês comem, ou eu vou enfiar esse frango goela abaixo, queiram vocês ou não.
Todo mundo continuava me olhando, enquanto a temperatura do refeitório só caía. Não era o ideal, verdade, mas elas já eram magras o suficiente para mim.
- Rapazes, essa é.. caham.. - Izzy começou, baixo, toda vermelha. - Essa é WonHee, ela..
- O nome dela é . - Rainie interviu, abelhuda. - Se vai apresentar, apresenta direito pelo nome dela.
- , esse é o Monsta X. - Izzy voltou a se sentar, a cabeça ainda mais funda no pescoço.
Ah.
Então o meu nemesis era de um grupo mesmo, não era só especulação. Até que olhando, até que dava uns caldos, todos eram muito bonitos. Muito magros. Mas muito bonitos. Menos o nemesis.
Ok. O nemesis também.
Eles se apresentaram, cumprimentei com um aceno de cabeça. Rainie começou a balançar a cabeça com raiva, enquanto as outras voltavam a atenção pro prato de frango no meio da mesa.
- Sou . - dei um sorriso preso para ele.
O nemesis.
O demônio.
O chato.
Eu tenho uma base muito importante que explica por quê dou todos esses apelidos para ele. Mas como sei que você quer saber da estória, vamos falar dela de forma condensada qualquer momento desses.
Mas não agora.
Vamos apenas dizer que a vida é cretina o bastante de unir nossos caminhos há bastante tempo, quando eu descobri que havia passado para a academia. E, de alguma forma, foi assim que eu fui parar na Coreia do Sul alguns anos depois, terminando os treinamentos por lá. E era assim que estava metida naquele refeitório, vendo um prato de frango crocante ficar murcho porque ninguém tocava nele.
O fim.

- Será que vocês poderiam me dar uma ajudinha? - apontei para o prato. Todos estavam, possivelmente, inclinados a me taxar mentalmente de louca varrida em ir contra o regulamento de comer muito, mas ok, pensei, se não querem me ajudar, eu ainda tenho minhas táticas da polícia para obrigar alguém a comer. O negócio era saber se funcionaria. Se fosse eu sozinha, tudo bem, mas se eles se unissem para me impedir, não conseguiria concluir o objetivo.
Um deles colocou um pedaço enorme de frango no prato e se sentou ao meu lado, no final do banco. Ele colocou o próprio prato junto do meu, no meio da mesa e sorriu.
- Sou . - sorri, aliviada. Todos os olhares foram para nós. - Comer é tão bom, vocês não precisam perder mais nenhuma graminha. Estão ótimas e precisam de sustância para qualquer coisa. - foi o segundo, sentando-se ao lado de Izzy, que mudou de vermelho para roxo.

Queria poder dizer que, pouco a pouco, eles se chegaram, colocaram seus pratos, comemos todos e formamos um grande laço de amizade mas não foi bem assim que aconteceu.
Depois do almoço tardio, precisávamos subir um lance de escadas até uma sala com um grande espelho. Enquanto as meninas se aprontavam e se alongavam, meu telefone apitou.

Peste: Seu único papel aqui é a de investigar. Não comece a revolucionar porque não está no seu contrato. E ? De onde surgiu esse nome? Achei que tínhamos combinado tudo, não invente!
Eu: Em primeiro lugar, eu estava com muita fome. Eu não consegui comer direito desde que cheguei e você só me deixou com uma Coca Cola Diet na barriga por quatro horas! Ver aqueles pedaços de aipo no prato delas me revoltou, vocês treinam pessoas ou vocês estão tentando matá-las? E segundo que é obvio que não sou coreana e esse nome nunca iria pegar. Eu dei um nome falso, já não é o bastante?
Peste: Seu trabalho é de apenas observação!
Eu: Se você quer que o trabalho seja bem feito, vai ter que lidar comigo sendo eu. Se elas não comerem direito, eu vou rodar a baiana e levo vocês também!
Peste: Ok, , faça o que você quiser, mas se atenha ao plano, ok?

Guardei o telefone quando um homem de boa aparecia entrou na sala. Embora de máscara, ele aparentava ser muito bacana, com olhos muito pequenos e ele mesmo muito alto. Seria o tipo de cara que eu olharia duas vezes. Junto a ele, vinha um grupo de cinco pessoas, com mulheres e homens misturados. Reconheci Sang Jin logo de cara e sorri. Ela acenou de volta.
- Bom, para começar, deixe que eu me apresente. Meu nome é Dong Wook e serei o professor de vocês. Eu não tolero atrasos, não gosto de corpo mole e vou exigir o máximo de vocês sim, então é bom que estejam preparadas. Isso daqui não é um festivalzinho de kpop de sabados, onde vocês treinam quando dá. Aqui é sério. - e então, no maior estilo senhor dos escravos, passou por cada uma, observando suas estaturas e peso. Achei um absurdo que ele não tinha cara de dizer atrocidades. Quando parou na frente de Juno, a mais magra de todas, exigiu que ela perdesse dez quilos. Dez quilos! Se ela perdesse dez quilos, ela morreria!
- E você... - cruzei os braços, louca para dar um soco em seu rosto. - Ela é de quem? - Sang Jin levantou a mão. - Não sei se você passou por teste do sofá, mas você tinha é que ter vergonha na cara de estar aqui.
Oi?
- Vergonha na cara, sim. - repetiu. - Você está imensa, você é feia e só na base do procedimento cirurgico. Infelizmente não opero milagres mas posso tentar. Tudo de bom acontece em minhas aulas. Não quero ouvir um pio de cansaço seu. Se você fizer qualquer coisa, sofrerá consequencias graves. Você, treine além do horário com ela.
Olhei para Sang Jin, furiosa. Como ele podia...! Eu poderia sair daquele programa idiota a qualquer momento expondo meu disfarce, dando um soco bem dando na cara de Dong Wook e quebrando todos os seus dentes e usando suas bolas como brincos. Sang Jin colocou um dedo nos lábios, pedindo para que eu ficassem calada e eu respirei muito fundo antes que ele começasse a aula.

Hara era a mais animada. Tudo o que Dong Wook falava, ela dava risadas histéricas, se esforçando tanto que achei por várias vezes que ela iria quebrar a coluna. Izzy estava visivelmente abalada. Ela tinha 24 anos, aparentemente era a tal "líder" do grupo, eu viria "logo depois" mas, como eu parecia estar cagando (e estava mesmo), ela levava todas as críticas pro lado pessoal e por duas vezes a vi engolindo o choro. Juno e Rainie, talvez as mais compenetradas, eram as que mais tentavam ajudar as outras, a cada pausa demonstrando como fazer movimentos.
Quanto a mim... bem, tinha muitos anos que eu não fazia uma estrela no chão e foi vergonhoso demais esticar as pernas e elas cairem como dois pedaços de concreto no chão, para início de conversa, e pra você ter uma breve noção da minha situação. Dong Wook só me olhava e fazia cara de raiva. Sang Jin, por outro lado, parecia estar se divertindo. Bem, pelo menos alguém tinha que se divertir comigo. Fiz um curso online de como conquistar pessoas sendo engraçada, não tinha pago $99,99 para nada.
O suplício durou por quatro horas quase ininterruptas. Eu era a caso perdido de Dong Wook, porque ele berrava apenas praticamente comigo. Em outros tempos, eu gritaria de volta e bateria nele até que perdesse a consciência mas seis anos afastada das atividades policiais e fazendo aulas de yoga tinham me transformado numa florzinha do campo. Às vezes eu me perguntava se tinha sido em outra vida mesmo ou se era verdade, daí o caderno de capa dura. Nele, constava toda a minha vida policial em fotografias, incluindo fotos de papparazzi logo que o caso saiu na mídia. Para encobrir meus colegas famosos, assumi a liderança do caso mas, do jeito que as coisas passavam rápido, às vezes duvidava que lembrassem de meu rosto mas como existe gente com boa memória em tudo quanto era lugar, receava que entrar naquela nossa "missão" fosse causar problemas para a empresa conveniada.
- Hoje foi até tranquilo. - Juno comeu um pedaço de cenoura cozida enquanto estávamos no refeitório da Only One. Acho que nesse ponto, posso dizer que a Only One era uma empresa pequena e afiliada da Starship. Ficava no mesmo prédio, praticamente, e era unida por causa de uma escada comum que levava ao refeitório. A Only One era tão pequena que a equipe completa não passava de trinta pessoas. - Ontem mesmo ficamos oito horas com pausas de vinte minutos. Não sabíamos que você viria até o fim do ensaio inicial.
- Cinco meninas foram embora ontem. - Rainie cutucou seu pedaço de batata doce, tirando-o do alcance do garfo de Izzy. Izzy fez bico e continuou a cutucar seu pedaço. - Eles simplesmente esperaram elas chegarem e tiraram no palitinho. Odiável.
- Não só isso, -completou Juno. - eles falaram que as que ficaram teriam que se esforçar ainda mais e nos deram um papel com horários. Basicamente teremos três horas de sono por dias e temos que pesar no máximo 50 kg.
- Mas se vocês pesarem cinquenta quilos, vocês não vão conseguir se locomover. - interpus. - Quanto você pesa?
- Sessenta. - Juno colocou o resto da cenoura na boca, despreocupada. Sessenta? Ela parecia ter no máximo quarenta! - Preciso perder dez quilos. Mas diz aí, quantos quilos vocês tem?
- O bastante pra que ela tenha dobras na barriga. - Rainie rolou os olhos, puxando o prato do alcance de novo. - Você quer tanto isso? - Izzy fez bico, concordando com a cabeça. Rainie sorriu, cortanto um pedaço da própria comida e dando na boca de Izzy, colocando a mão embaixo para que não caísse. Izzy fez um barulho de felicidade. Então Rainie conseguia ser bacana com alguém! Ou o problema era eu...
Foi então que dei falta. - Cadê a Hara?
- Tinha ficado para conversar com Dong Wook. - Juno deu de ombros, enquanto Rainie dava outro pedaço de batata para Izzy. - Olha ela ali.
Hara entrou no refeitório e se sentou, sem emoções no rosto. O que era bem assustador, porque, em pouco mais de seis horas, era como se eu soubesse lê-la como ninguém. Parecia ser o tipo de pessoa que crescera de idade mas ainda mantinha os oito anos de idade mental. Também parecia ser o tipo de pessoa que adotaria cães e gatos e periquitos e conseguiria fazer com que eles se tornassem um grupo vocal tão perfeito que ganharia prêmios. Quem era a Branca de Neve perto dela, não é?
Todas olhamos para ela, até mesmo Izzy, preocupada em roubar agora do meu prato.
- Você está bem? - perguntei. Ela me olhou sem expressão e alguma coisa lá no fundo me fez perceber que tinha alguma coisa de muito errada.
Hara permaneceu em silêncio por alguns segundos preocupantes antes de sorrir e puxar o prato que continha a última batata doce gigante.
- Estou com uma fome enorme! Podemos comer frango?
Rainie me observou do outro lado da mesa. - Hara, você é vegetariana.
- Eu sei, mas me deu uma vontade tão grande de comer frango...! Por favor! - e então olhando para mim. - unnie acha que devemos comer, então vamos comer. - ela abriu um bocão e engoliu metade da batata.
Só eu percebi a marca roxa em seu pulso.

.x.x.x.x

Eu: Preciso de um passado.
Peste: O que quer dizer com isso?
Eu: Vão querer saber do meu passado e precisamos combinar alguma coisa, do contrário vai dar ruim.
Peste: Não tinha pensado nisso.
Eu: Você pensa? Que incrível!
Peste: ¬¬ vou pensar em algo. Até lá, fique calada, ok? Já descobriu alguma coisa?
Eu: Tive tempo? Claro que não. Mas estou observando. Deixe-me perguntar. Toda a equipe da Only One... não é da Starship, é?
Peste: Não. Por que?
Eu: Nada. Crie uma vida para mim.
Peste: Vou criar um grupo com você e a Sang Jin. Por favor, grave nossos nomes de forma diferente.
Eu: Vocês já possuem nomes, abestado. São em português.
Peste: E o que significam?
Eu: Nada que seja da sua conta.
Peste: ¬¬ qual foi a do showzinho do refeitório? Teve final?
Eu: Levaram a Hara pra comer frango. Não sei o que vai sair disso.
Peste: Os caras ficaram impressionados com você. Disseram que você tem jeito de braba mas que parece legal.
Peste: O que você está fazendo?
Eu: No momento deitada, olhando pro teto e pensando em como raios parei aqui.
Peste: Você pode voltar para casa quando quiser. Nenhum contrato com a Only One foi assinado.

- Unnie! - Hara abriu a porta do quarto e deitou do meu lado. - Estou passando mal.
- O que está sentindo?
- Meu estômago, sabe? - ela botou a mão na barriga. - Está doendo. Acho que aquele frango não caiu bem. Espera. - ela levantou um dedo e se sentou. Fez uns barulhos estranhos, como se fosse vomitar. - Espera. Vai passar. Vou respirar fundo. Um... dois... um... dois..
Pelo meu conhecimento vasto no assunto, era melhor ela colocar para fora do que prender. Por algum buraco tinha que sair e se fosse por baixo, ela passaria dias enjoada. Então, como alguém que já teve que segurar muito cabelo de coleguinha de ressaca, sabia que precisava fazer alguma coisa.
- Costelada de domingo.
Hara saiu correndo para o banheiro e bateu a porta, chegando bem a tempo de abrir a tampa do vaso e começar a vomitar. Me recostei na cama e sorri.

Eu: Estou de boa.

Regras de uma I.P
Regra #2: O desconfiômetro é seu melhor amigo.

(continua)

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